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Folheando com... João Tordo


João Tordo

2009-11-04

Ganhou o Prémio Saramago, é já considerado um dos nomes fundamentais da nova geração de escritores da Língua Portuguesa. Escreveu O Livro dos Homens sem Luz, Hotel Memória e As Três Vidas, e é co-argumentista do filme Amália, O Filme.

Alguns dos visitantes do Portal da Literatura manifestaram curiosidade em saber como e quando é que começou a escrever.

Comecei a escrever muito cedo, mas coisas que nada tinham que ver com literatura ou com o meu trabalho de hoje. Comecei, aos 10 ou 12 anos, a escrever pequenos contos ou peças “jornalísticas” e, mais tarde, banda desenhada. Eu era um leitor ávido de romances policiais, histórias de detectives, aventuras, e outros géneros considerados “menores”. Depois, durante a adolescência e até à idade adulta, não escrevi. Li muito, li coisas muito diversificadas e especializei-me, por assim dizer, em literatura anglo-saxónica, sobretudo a partir do princípio dos anos 90. Comecei a escrever mais a sério quando já tinha alguma experiência de vida, mais ou menos aos 26 ou 27 anos. Senti que precisava de algum “traquejo” neste mundo para poder começar a aventurar-me na difícil arte do romance, uma vez que os meus livros estão muito ligados à experiência das cidades, do anonimato, da pequenez humana face ao tamanho inexorável do mundo. 


Uma outra questão que foi levantada tem a ver com o que sentiu no momento em que soube que tinha conquistado o prémio. O que sentiu nesse momento e de que forma é que este prémio o vai “condicionar” futuramente?

Senti-me evidentemente muito feliz mas, claro está, comecei de imediato também a sentir o peso da responsabilidade. De repente, o nome de Saramago fica inevitavelmente associado ao nosso, e é o maior nome das letras portuguesas do último século, o que sobe irremediavelmente a fasquia no que diz respeito ao nosso trabalho futuro. Há que não defraudar as expectativas e, ao mesmo tempo, há que manter a coerência do nosso trabalho porque foi essa que nos conduziu a esse reconhecimento. É um condicionamento por certo, mas é o melhor que poderia alguma vez imaginar. 


Sabemos que O Ano da Morte de Ricardo Reis é um dos livros de José Saramago que mais aprecia. Leu O Evangelho Segundo Jesus Cristo? Já leu Caim? O que achou dos livros e o que acha da polémica que se gerou à volta das palavras de José Saramago acerca de Deus e da Bíblia?

Naturalmente li o Evangelho e ainda não tive oportunidade de acabar de ler Caim. Quanto às palavras de José Saramago, sou daqueles que defende sobretudo a sua posição de cidadão e o direito de se expressar livremente num país (e numa Europa) fortemente dominada pela ortodoxia vigente da Igreja Católica. Atribuo inteira razão a Saramago quando critica essa ortodoxia que está a destruir intelectualmente um país como a Itália, em que as ideias católicas e de direita estão, inclusive, a conduzir a actos hediondos de censura.

O João Tordo tem um blogue. Sendo um escritor muito jovem, como é que vê a relação dos suportes digitais versus suportes tradicionais (como a imprensa ou um simples livro)? Há quem ache que o Twitter vai contribuir ainda mais para o empobrecimento da literatura. O que pensa sobre este assunto?

O Twitter nada tem a ver com literatura, são frases de 150 caracteres colocadas diariamente sobre assuntos quotidianos. Nunca li um romance escrito no Twitter e certamente nunca o irei fazer, porque os romances são mais do que palavras colocadas todas juntas – têm o seu suporte próprio, tal como a pintura, por exemplo. Ninguém vai ver uma exposição de pintura online, ou vai? As pessoas deslocam-se às galerias para ver a coisa in loco, tal como a literatura tem o seu suporte: tem uma capa, as folhas, a espessura do papel, o cheiro próprio dos livros. O suporte digital dos Readers pode dar jeito para pessoas que lêem em catadupa ou viajantes contínuos mas, para quem verdadeiramente ama os livros, estes são insubstituíveis.


Conversemos sobre literatura. O que mais e menos aprecia na Literatura portuguesa contemporânea? Que escritores portugueses prefere? Quer falar-nos de escritores estrangeiros que considere serem uma referência?

Tenho alguns escritores de referência, que vão de Dostoievski a Ian McEwan, passando por Melville, Poe, etc. Não fazia sentido estar a referi-los a todos. Posso, no entanto, referir alguns dos contemporâneos que mais gosto: Roberto Bolaño (sobretudo “Os Detectives Selvagens”), Junot Diaz, Francisco José Viegas, Enrique Vila-Matas, Javier Cercas, e por aqui se percebe o que menos gosto na literatura portuguesa contemporânea: quatro dos meus escritores preferidos da actualidade são de origem espanhola ou hispânica e essa literatura soube adaptar-se ao tempo, soube colocar para trás das costas o tradicionalismo dos anos 60, 70, 80, e entrar no novo século com uma literatura inovadora e sobretudo corajosa (veja-se Bolaño!), que rompe fronteiras. Ainda nos falta dar esse grande passo e distanciarmo-nos definitivamente da literatura que era feita e lida pelos nossos avós.


O João Tordo ganhou o Prémio Literário José Saramago com As Três Vidas, uma história de gente na corda bamba. A nossa pergunta é a seguinte: os livros já editados vão servir de fio condutor para o novo livro que venha a editar ou será algo de novo sem qualquer ligação aos anteriores? Quer deixar alguma dica sobre o novo livro aos visitantes do Portal da Literatura?

É complicado dizer nesta altura, evidentemente que quero evoluir enquanto escritor e não estar sempre a fazer a mesma coisa. Mas acho que ao final destes três romances encontrei uma espécie de voz que gostava de manter. Não me parece que um escritor, sobretudo na minha idade, possa mudar radicalmente de ponto de vista ou de género sem se perder e, portanto, quem conhecer esses romances poderá esperar alguma coisa semelhante, sendo que me esforço bastante por encontrar histórias originais e inesperadas.

 

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