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Mal-entendidos

Nuno Lobo Antunes

2009

Sinopse

Para compreender uma criança temos de voltar ao país das memórias, reviver o que ficou para trás, habitar de novo medos de que nos esquecemos. Olhar com olhos de espanto, chamar filha a uma boneca, e replicar o milagre da criação dando-lhe voz. Para a compreender temos de voltar a pele do avesso, reduzir a dimensão do corpo na medida inversa em que cresce o sentimento. Cada criança é uma história por contar. Por vezes o Capuchinho Vermelho perde-se no bosque e não há beijo que resgate a Bela Adormecida.
Para muitas crianças a sua história pode não terminar bem, e não viverem felizes para sempre.

Este livro destina-se a essas crianças e a quem delas cuida: Pais, Professores, Psicólogos ou Médicos, que querem que todas as histórias tenham um final feliz, e não deixam o Espelho Mágico dizer a nenhuma criança que há alguém mais belo do que ela.

Devem existir em Portugal cerca de 100.000 crianças com perturbações de desenvolvimento.- Nuno Lobo Antunes , In Introdução

Hoje mesmo, dia em que termino o meu livro, alguém começa uma história: as minhas filhas conheceram os professores e a Escola que as vai acolher. Sentados em cadeiras pequeninas, a minha mulher e eu sentíamos a insegurança de quem confia a outros o que tem de mais importante. De hoje em diante a Rosa e a Ana estão à mercê dos seus professores. Uma palavra mais agreste destruirá a confiança que nos seus poucos anos de existência conseguiram adquirir, um sorriso de incentivo e conquistam o mundo. As minhas filhas são frágeis, vulneráveis. Só nós lhes conhecemos as inseguranças, o texto para além do pretexto, a inquietação que duas pequeninas rugas verticais, ao lado dos olhos tão bem traduzem. Que olhem para elas como nós as vemos, quando à noite as vamos espreitar, e dormem tranquilas mas indefesas, não fossemos nós. E agora deixamo-las entregues a outrem, sem a certeza de que elas compreendam que não há alternativa para o primeiro passo que as fará “pessoas crescidas”. Será que ainda acreditam em nós depois de as deixarmos num universo estranho, actrizes de um filme de que desconhecem o guião? Ao pôr a Ana no escorrega, bati com a cabeça numa barra de ferro. Fez barulho, doeu. A Ana olhou para mim e nada disse. Minutos depois, quando nada o fazia prever, deu-me um beijo na testa, curativo de quem, quando for grande, quer ser médica de crianças. Querida Ana, já entendeu o mais importante dos remédios: penso húmido, adesivo que não mais descola, e que me deixará sarado para sempre, deste, e de outros traumatismos. Damos-lhes tantos beijos iguais. E no entanto eles não são o escudo que vai impedir desgostos, a troça de outros meninos, a mágoa por uma colega que disse: “não gosto de ti”. Como pudemos abandonar as filhas à sua sorte? Difícil aceitar que o seu destino, só em parte depende de nós. Professores, tomem bem conta das nossas filhas que nem sempre aquilo que parece é.

 

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