Raízes - Sandra Santos

À espera (conto de Natal)
2023-12-04 10:51:24À espera
O tempo estava a mudar. O azul do céu dera lugar a um cinza claro que se estendia por todo o horizonte a fazer lembrar um lençol de linho já gasto, com uns rasgões, aqui e ali, em forma de nuvens. O sol escondera-se há muito e a temperatura estava a descer, ao ponto de um simples agasalho de inverno já não ser suficiente. Eram precisos gorros, luvas, cachecóis e botas forradas a pêlo para se poder andar na rua. A Luísa olhava pela janela, expectante por ver um fenómeno de que lhe tinham falado, mas que ela nunca tinha visto.
- É verdade! Juro! A minha mãe disse-me que, quando ela era criança, viu cair uns farrapinhos brancos do céu, e que eram tantos, tantos, que as casas e os carros deixaram de se ver. Ela diz que ficou tudo branco… E que foi lindo! - contava, com entusiasmo, o Rui.
A Luísa baixava os olhos e suspirava. Quando poderia ela ver aquilo de que toda a gente falava? Pensava. Tinha ouvido tantas histórias sobre a neve, sobre como todos se divertiam a atirá-la, a deslizar nela, a fazer bonecos com ela, a desenhar anjos no chão com o próprio corpo, que, todos os anos, mal chegava o inverno, ela se punha à janela, à espera.
- Luísa, o jantar está na mesa - dizia a mãe, enquanto a Luísa, com a cara colada ao vidro, olhava lá para fora.
- Mãe, mãe! Olha! Acho que está nevar - dizia, de vez em quando, saltitando de alegria. Mas não. A mãe explicava-lhe que eram apenas fagulhas da lareira da casa do lado, que a neve era muito diferente, mágica.
As aulas tinham terminado e as férias do Natal estavam ao virar da esquina. A Luísa e o Rui eram da mesma turma e gostavam de passar tempo juntos, mesmo durante as férias. Divertiam-se muito! Pintavam desenhos, faziam bolachinhas, com a ajuda da mãe da Luísa, viam desenhos animados na televisão, liam livros e, quando não estava a chover, andavam de bicicleta e jogavam à bola na rua, mesmo em frente à casa deles.
- Já escreveste a tua carta para o Pai Natal? - perguntou, um dia, a Luísa ao Rui.
- Ainda não! E tu?
- Eu? Claro que sim! Agora que já sei escrever, não precisei da ajuda da minha mãe. Escrevi-a eu sozinha – disse com orgulho.
- E que presente pediste? Um livro? Um brinquedo novo?
- Não. Desta vez, pedi uma coisa diferente…
Nesse instante, a mãe do Rui chamou-o para dentro de casa, pois começava a escurecer e o tempo estava frio. O Rui despediu-se da Luísa e entrou em sua casa, mesmo ao lado da da sua amiga.
Os dias passaram com tranquilidade e o cheiro a Natal sentia-se, cada vez mais, no ar. Na aldeia da Luísa, enfeitavam-se os jardins e as casas, compravam-se presentes, acendiam-se as lareiras, preparava-se o bacalhau, temperava-se o cabrito, faziam-se rabanadas, broinhas de mel e frutos secos, filhós, sonhos, arroz doce, papas de milho…
A Luísa gostava de participar em todas as fases de preparação do jantar da noite de Natal. Era ela que punha a mesa e que fazia a decoração, com pinhas, azevinho e velas. Era também a Luísa que recebia os convidados e os conduzia aos seus lugares na mesa e que, ao soar da meia-noite, distribuía os presentes, sempre com muito entusiasmo e alegria.
Finalmente, a noite de Natal chegou. O jantar estava delicioso e todos gostaram dos presentes que receberam, especialmente daqueles que a Luísa tinha feito com as suas próprias mãos! A Luísa também gostou muito do convívio e de ter cantado, como era habitual, a sua canção de Natal preferida, mas começava a ficar com sono e decidiu despedir-se. Afinal, já passava da meia-noite e ela tinha-se levantado muito cedo para ajudar a mãe. Quando se preparava para subir as escadas, pareceu-lhe ouvir alguém bater à porta e correu para abri-la. Mas não viu ninguém! Se calhar tinha ouvido mal. Mas eis que ouviu o mesmo barulho, outra vez. Abriu a porta, de novo, e olhou para a noite cerrada. Não viu nada. Então, pôs um pé na rua e depois o outro, e espreitou, esticando a cabeça. Nesse instante, sentiu o nariz frio, como se algo tivesse pousado nele. Olhou para o céu. Estava muito sereno e dele caíam uns farrapinhos brancos. No princípio, eram apenas alguns, mas, depois, multiplicaram-se e começaram a cair às centenas, aos milhares! Estava a nevar! As luzes da aldeia voltaram a ser ligadas. A noite virou dia. A aldeia toda saiu à rua. Mas a Luísa voltou para dentro de casa para escrever um bilhetinho, que deixou junto à lareira: “Obrigada, Pai Natal!”. Só depois se juntou a todos os outros para, finalmente, ver aquilo de que toda a gente falava e ela não conhecia!
Sandra Cabral Santos
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