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Poema e Poesia de Fernando Namora

Mãe
Fernando Namora

Poema Cansado de Certos Momentos

Foi-se tudo 
como areia fina escoada pelos dedos. 
Mãe! aqui me tens, 
metade de mim, 
sem saber que metade me pertence. 
Aqui me tens, 
de gestos saqueados, 
onde resta a saudade de ti 
e do teu mundo de medos. 
Meus braços, vê-os, estão gastos 
de pedir luz 
e de roubar distâncias. 
Meus braços 
cruzados 
em cruz de calvário dos meus degredos. 
Ai que isto de correr pela vida, 
dissipando a riqueza que me deste, 
de levar em cada beijo 
a pureza que pariste e embalaste, 
ai, mãe, só um louco ou um Messias 
estendendo a face de justo 

para os homens cuspirem o fel das veias, 
só um louco, ou um poeta ou um Cristo 
poderá beijar as rosas que os espinhos sangram 
e, embora rasgado, beber o perfume 
e continuar cantando. 
Mãe! tu nunca previste 
as geadas e os bichos 
roendo os campos adubados 
e o vizinho largando a fúria dos rebanhos 
pela flor menina dos meus prados. 
E assim, geraste-me despido 
como as ervas, 
e não olhaste os pegos nem as cobras, 
verdes, viscosas, espreitando dos nichos. 
De mão nua, entregaste-me ao destino. 
Os anjos ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos. 
E sem elmos ou gibões, 
nem lutei nem vivi: 
fiquei quieto, absorto, em lágrimas 
— e lá ao fundo esperavam-me valados 
e chacais rancorosos. 

Mãe! aqui me tens, 
restos de mim. 
Guarda-me contigo agora, 
que és tu a minha justiça e o exílio 
do perdido e do achado. 
Guarda-me contigo agora 
e adormece-me as feridas 
com as guitarras do fado. 

Mas caberá no teu regaço 
o fantasma do perdido? 

Em "Mar de Sargaços"

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