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Poema e Poesia de Vitorino Nemésio

Vida
Vitorino Nemésio

Já Velho e Doente

«Seja a terra da Terceira 
A minha coberta de alma», 
Disse eu na idade fagueira, 
Em que tudo é força e calma. 

Mas hoje, já velho e doente, 
Em que as almas não se cobrem, 
Hoje sim, peço seriamente 
Que os sinos por mim lá dobrem. 

Até já me aconselharam 
Um quarto lá no Hospital, 
Tanto caipora me acharam, 
Escaveirado, mal, mal... 

Ali visitas teria 
Por obra de misericórdia, 
Embora comida fria, 
Alguma vez, que mixórdia! 

Mas sempre era doce ao peito 
Ir acabar os meus dias 
Na Praia, de qualquer jeito, 
Perto da casa das tias. 

Tive o exemplo resignado 
Que me deu a prima Alzira 
Num lençolinho lavado 
Com rendas limpas na vira. 

Ali matámos saudades, 
Ela alegre e penteadinha, 
Mal pensando eu que as idades 
Não perdoam. Hoje é a minha. 

Também cheguei a pensar 
No Asilo, talvez com um biombo. 
Sou biqueiro. Mas jantar? 
Todos ali, lombo a lombo. 

Como outrora o Tintaleis, 
Três-Quinze, Manuel de Deus 
Eram duas vezes seis, 
Lava-Pés, e Pão-por-Deus. 

Mas já sei que nem no hotel! 
(A família não consente). 
Tenho que amargar o fel 
Mortal como toda a gente 

Morrer num navio, à proa, 
Numa aldeia ou num porão, 
Provavelmente em Lisboa 
Prò Alto de S. João. 

Se acaso em Ponta Delgada 
Me fosse dado ter fim: 
Queria a última morada 
Com Antero, em S. Joaquim. 

O melhor é não pensar. 
É seja onde Deus quiser. 
Bem me podem sepultar 
Ao pé de minha mulher. 

Em "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"

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