Wenceslau de Moraes
1854 - 1929
Biografia
Numa nota biográfica que lhe foi pedida por um japonês, Wenceslau de Moraes escreveu: «Sou português. Nasci em Lisboa (a capital do país) no dia 30 de Maio de 1854. Estudei o curso de Marinha e dediquei-me a oficial de marinha de guerra. Em tal qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas de África, da Ásia, da América, etc. Estive cerca de cinco anos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasaki, Kobe e Yokohama. Em 1893, 1894, 1895 e 1896 voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço de Macau, onde estava comissionado na capitania do porto de Macau. Em 1896 regressei a Macau, demorando-me por pouco tempo e voltando ao Japão (Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo e Osaka, lugar que exerci até 1913.»
Era seu pai funcionário público, com o mesmo nome, e sua mãe Maria Amélia Figueiredo Moraes. Ambos cultos e amantes das letras, devem ter estimulado no filho o gosto da cultura desde muito jovem, pois possuímos provas por ele escritas aos 11 anos: um diário infantil de poucas páginas, uma peça de teatro e uma colecção de poemas, ambas breves, aos 15 anos.
Completado o curso da Escola Naval em 1875, é já guarda-marinha aos 21 anos; em 1891 é imediato do capitão do porto de Macau; em 1899 é cônsul em Kobe e Osaka, e no Japão morre em 1929.
Wenceslau de Moraes é o último dos nossos grandes escritores de viagens e Dai-Nippon o maior livro no género depois da Peregrinação. Em português as suas «Obras Completas» estão a meio de ser publicadas; a tradução japonesa delas, de Tomizo Hanano, por uma das maiores editoras do Japão, Shueisha, saiu em 1969 e depressa se esgotou.
As críticas aos seus livros no Japão e em Portugal têm sido diferentes: aqui a nota dominante é o exotismo e caprichismo romântico; lá acentua-se o seu conhecimento profundo da alma japonesa (do Relance da Alma Japonesa, de todos os seus livros o mais lido, saíram já cinco edições), a sua profunda intimidade com o povo nipónico, vivendo como um japonês: amando os seus costumes e venerando os seus deuses; e alguns autores japoneses são atraídos pela «natureza enigmática da sua vida».
Desde a publicação das «Obras Completas» (Zenshu) têm saído artigos frequentes – um jornal de Tóquio em inglês falava há pouco num Moraes boom. Nesta identificação e no dom soberano de exprimi-la num português rico, de infinitas gradações, está a sua validade de escritor. Nem Kurt Singer, nem muito menos o hedonista e mordaz Pierre Loti penetraram tão fundo no conhecimento da alma japonesa, nos símbolos e mitos do povo nipónico.
É por esta capacidade de abertura humana, de compreensão e dom de si mesmo, que os Japoneses hoje apreciam Moraes. Não certamente pelos comentários superficiais sobre a cultura japonesa, mais de divulgação que de aprofundamento, que ele, aliás, apresentou sempre com modéstia. E o conhecimento profundo dos homens, dos costumes, da vida, das aspirações e dos ideais de um povo. E por isso os Japoneses lhe estão gratos: ergueram-lhe dois monumentos, um em Tokushima, na principal avenida da cidade, outro na principal praça de Kobe. Em Tokushima há também um Museu Wenceslau de Moraes e uma Sociedade de Amigos. Nos livros elementares das escolas do Japão figuram o retrato e duas páginas sobre Wenceslau de Moraes. Consagração bem maior do que aquela que lhe concedeu o seu país.
Descendente espiritual de Mendes Pinto, não possui deste o largo fôlego, a força, a variedade, a vastidão ecuménica, e não o entusiasmam as grandes construções discursivas, mas é mais artista, tem uma sensibilidade mais fina, um gosto mais requintado; ao lado do português ainda fruste e lerdo de Mendes Pinto, a frase de Moraes brilha vivíssima de graça e de esmeros, e o seu estilo elegante é mais rico de cor e de cambiantes e tem mais garbo e mais encanto.
Mendes Pinto é o maior descobridor da Ásia por terra; Wenceslau concentra-se no Japão. Os seus contos, as suas descrições do drama e da comédia dos acontecimentos e costumes, as suas finas aguarelas da doce paisagem nipónica, são os mais delicados, e as suas sondagens da alma japonesa são as mais sagazes e profundas atingidas por um estrangeiro.
Os mais íntimos, dramáticos, amores de Moraes foram japoneses; por isso não surpreende que ele escreva como nenhum outro estrangeiro sobre o fascínio da mulher japonesa. Mas também o Japão deu muito a Wenceslau: deu-lhe encantos e prazeres que suavizaram o seu isolamento e iluminaram a sua tristeza, deu-lhe as alegrias e os dramas do amor, os gozos da arte que ele adorava contemplar, inspirou-lhe a meditação solitária sobre os homens, a vida e a morte, em que atingiu profundidades raras na nossa língua.
Wenceslau quis ter um funeral budista e ser incinerado e que as suas cinzas ficassem num pequeno túmulo, no pequeno cemitério de Chionji, ao lado das cinzas da sua amada Ko-Haru. É o único português a quem se rezam sutras e que recebe no aniversário da sua morte um serviço budista. Na festa dos mortos, no Bon-Odori que ele tão bem descreveu, raparigas e rapazes vão cantar e dançar alegremente em roda do seu monumento em Tokushima: não pode haver consagração mais viva.
Era seu pai funcionário público, com o mesmo nome, e sua mãe Maria Amélia Figueiredo Moraes. Ambos cultos e amantes das letras, devem ter estimulado no filho o gosto da cultura desde muito jovem, pois possuímos provas por ele escritas aos 11 anos: um diário infantil de poucas páginas, uma peça de teatro e uma colecção de poemas, ambas breves, aos 15 anos.
Completado o curso da Escola Naval em 1875, é já guarda-marinha aos 21 anos; em 1891 é imediato do capitão do porto de Macau; em 1899 é cônsul em Kobe e Osaka, e no Japão morre em 1929.
Wenceslau de Moraes é o último dos nossos grandes escritores de viagens e Dai-Nippon o maior livro no género depois da Peregrinação. Em português as suas «Obras Completas» estão a meio de ser publicadas; a tradução japonesa delas, de Tomizo Hanano, por uma das maiores editoras do Japão, Shueisha, saiu em 1969 e depressa se esgotou.
As críticas aos seus livros no Japão e em Portugal têm sido diferentes: aqui a nota dominante é o exotismo e caprichismo romântico; lá acentua-se o seu conhecimento profundo da alma japonesa (do Relance da Alma Japonesa, de todos os seus livros o mais lido, saíram já cinco edições), a sua profunda intimidade com o povo nipónico, vivendo como um japonês: amando os seus costumes e venerando os seus deuses; e alguns autores japoneses são atraídos pela «natureza enigmática da sua vida».
Desde a publicação das «Obras Completas» (Zenshu) têm saído artigos frequentes – um jornal de Tóquio em inglês falava há pouco num Moraes boom. Nesta identificação e no dom soberano de exprimi-la num português rico, de infinitas gradações, está a sua validade de escritor. Nem Kurt Singer, nem muito menos o hedonista e mordaz Pierre Loti penetraram tão fundo no conhecimento da alma japonesa, nos símbolos e mitos do povo nipónico.
É por esta capacidade de abertura humana, de compreensão e dom de si mesmo, que os Japoneses hoje apreciam Moraes. Não certamente pelos comentários superficiais sobre a cultura japonesa, mais de divulgação que de aprofundamento, que ele, aliás, apresentou sempre com modéstia. E o conhecimento profundo dos homens, dos costumes, da vida, das aspirações e dos ideais de um povo. E por isso os Japoneses lhe estão gratos: ergueram-lhe dois monumentos, um em Tokushima, na principal avenida da cidade, outro na principal praça de Kobe. Em Tokushima há também um Museu Wenceslau de Moraes e uma Sociedade de Amigos. Nos livros elementares das escolas do Japão figuram o retrato e duas páginas sobre Wenceslau de Moraes. Consagração bem maior do que aquela que lhe concedeu o seu país.
Descendente espiritual de Mendes Pinto, não possui deste o largo fôlego, a força, a variedade, a vastidão ecuménica, e não o entusiasmam as grandes construções discursivas, mas é mais artista, tem uma sensibilidade mais fina, um gosto mais requintado; ao lado do português ainda fruste e lerdo de Mendes Pinto, a frase de Moraes brilha vivíssima de graça e de esmeros, e o seu estilo elegante é mais rico de cor e de cambiantes e tem mais garbo e mais encanto.
Mendes Pinto é o maior descobridor da Ásia por terra; Wenceslau concentra-se no Japão. Os seus contos, as suas descrições do drama e da comédia dos acontecimentos e costumes, as suas finas aguarelas da doce paisagem nipónica, são os mais delicados, e as suas sondagens da alma japonesa são as mais sagazes e profundas atingidas por um estrangeiro.
Os mais íntimos, dramáticos, amores de Moraes foram japoneses; por isso não surpreende que ele escreva como nenhum outro estrangeiro sobre o fascínio da mulher japonesa. Mas também o Japão deu muito a Wenceslau: deu-lhe encantos e prazeres que suavizaram o seu isolamento e iluminaram a sua tristeza, deu-lhe as alegrias e os dramas do amor, os gozos da arte que ele adorava contemplar, inspirou-lhe a meditação solitária sobre os homens, a vida e a morte, em que atingiu profundidades raras na nossa língua.
Wenceslau quis ter um funeral budista e ser incinerado e que as suas cinzas ficassem num pequeno túmulo, no pequeno cemitério de Chionji, ao lado das cinzas da sua amada Ko-Haru. É o único português a quem se rezam sutras e que recebe no aniversário da sua morte um serviço budista. Na festa dos mortos, no Bon-Odori que ele tão bem descreveu, raparigas e rapazes vão cantar e dançar alegremente em roda do seu monumento em Tokushima: não pode haver consagração mais viva.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II, Lisboa, 1990