A Opinião de Paula Mota

Mudar de Ideias
2025-06-11Não creio que, aos 65, sejamos leitores mais inteligentes do que aos 25; apenas e tão-somente mais subtis, bem como mais capazes de estabelecer comparações com outros livros e outros escritores, tendo como pano de fundo o acréscimo de conhecimento adquirido com o acréscimo de vida.
Como diz o nosso Camões, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas mudar de ideias é falta de carácter ou é prova de adaptabilidade? Nós mudamos de ideias ou são as ideias que nos mudam a nós? Neste charmoso conjunto de ensaios sobre a mutabilidade, uma das primeiras citações de Julian Barnes aponta para o dadaísta Francis Picabia: “As nossas cabeças são redondas para que as nossas ideias possam mudar de direção”, o que sugere de imediato que a inconstância faz parte da natureza humana.
Dividido em cinco temas, Memórias, Palavras, Política, Livros, Idade e Tempo, Barnes expõe neste “Mudar de Ideias” os seus pensamentos e dá exemplos de como tem mudado de ideias ao longo de quase 80 anos de vida, com a típica fleuma britânica, parecendo uma pessoa moderada e razoável nos seus pareceres, mas rematando inesperada e contundentemente que tem “opiniões fortes fortemente sustentadas”, como convém que seja.
E como não ter opiniões fortes se temos consciência do que nos rodeia? Isso torna-se flagrante no capítulo Política que, embora enverede demasiado pelas eleições locais para quem não é britânico, permite ao autor deixar bem clara a sua ideologia e mundividência, aquela que aplicaria na República Benigna de Barnes, para a qual me mudaria já.
Imediata candidatura a regressar à União Europeia, autorização dada à Escócia para fazer o referendo sobre a independência, se os escoceses assim entenderem; encorajamento à ilha da Irlanda para se reunificar. […] Pelo menos um dos palácios reais seria transformado em museu dedicado à memória do tráfico de escravos, com uma completa explicação dos proventos gerados e dos beneficiários. A educação (e re-educação, re-re-educação) dos homens na juventude para fazer diminuir a violência e a coerção sobre as mulheres.
Na secção dedicada às palavras, identifiquei-me com a indignação de Barnes em relação à forma como os falantes assassinam a língua e, tal como ele, partilho com Evelyn Waugh “a ânsia senil de escrever cartas aos jornais” quando isso acontece. A parte sobre os livros é talvez a que ressoe mais fortemente nos leitores, ainda que a das Memórias permita o cruzamento com obras de ficção deste escritor:
Sabemos que a memória se degrada. Acabamos por perceber que a cada vez que a recordação é tirada do cacifo e exposta estamos a fazer-lhe uma alteração minúscula. E por isso as histórias que, na maior parte dos casos, contamos sobre as nossas vidas são provavelmente menos fiáveis, porque as fomos subtilmente emendando sempre que as contávamos ao longo dos anos.
Então, se “todo o mundo é composto de mudança”, não há nada a que Julian Barnes se mantenha ainda fiel? Claro que muitas das suas convicções se mantêm, mas delas cito a minha preferida:
À primazia da arte e à convicção de que a literatura corresponde ao melhor sistema que temos para compreender o mundo.
Mudar de Ideias, de Julian Barnes, Quetzal, Maio de 2025, tradução de Salvato Teles de Menezes
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