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A Opinião de Paula Mota


Porque escrevo

2025-09-23

A opinião de que a arte nada deve ter a ver com a política é em si uma atitude política.

A escrever do outro lado do Canal da Mancha sensivelmente na mesma época, Orwell mostra outra faceta da icónica frase de Simone de Beauvoir: “O pessoal é político.” E dos quatro motivos apresentados pelo autor britânico, parece ser o propósito político aquele que levava a primazia quando decidia escrever. Dado ao prelo um ano após o término da Segunda Guerra Mundial e da publicação de A Quinta dos Animais, o seu célebre libelo contra o estalinismo, como poderia o autor não ter, antes de mais, um olhar político sobre o que o rodeava?

Numa época pacífica poderia ter escrito livros ornamentais ou meramente descritivos, e poderia ter ficado quase sem ter consciência das minhas convicções políticas. Mas fui forçado a tornar-me uma espécie de panfletário.

Orwell conta em Porque Escrevo como o facto de ser uma criança solitária lhe estimulou a veia literária que, embora tenha tentado reprimir durante parte da juventude, ganhou força com a sua experiência na Polícia Imperial Indiana, nos tempos de penúria em Londres e Paris e na vivência como combatente voluntário na Guerra Civil Espanhola ao lado dos Republicanos.

O meu ponto de partida é sempre um sentimento de militantismo, um sentido de injustiça. Quando me sento para escrever um livro, não digo a mim mesmo: “Vou produzir uma obra de arte”. Escrevo porque há uma mentira qualquer que quero denunciar, um facto qualquer para que quero chamar a atenção.

Não obstante a preponderância da sua consciência social, Orwell afirmava escrever também por puro egoísmo, por impulso histórico e por entusiasmo estético, o qual me parece ser ainda um chamamento muito forte na sua obra.

Não sou capaz de abandonar completamente, nem quero, a mundividência que adquiri na juventude. Enquanto estiver vivo e de boa saúde continuarei a ter fortes sentimentos quanto ao estilo de prosa, amar a superfície da Terra e a retirar prazer de objectos concretos e de pedaços de informação inútil.

Que pena ter tido apenas 47 anos para pôr em prática esse programa de vida tão decente.

Porque Escrevo, de George Orwell, Relógio d’Água, Agosto de 2005, tradução de José Miguel Silva

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