Raízes - Pepetela
Solidariedade
2019-07-09 08:30:00Estavam na praia de Santos, a Lwini, de cinco anos de idade, e o avô. Ela brincava com areia e uma pá, ele com seus pensamentos de velho.
Brincadeiras para entreter o tempo.
Santos é muito mais que uma praia de São Paulo. O avô pensava, esta praia é das mais compridas que conheço dentro de uma cidade. Oito quilómetros de praia a direito, com um jardim a ligar a praia à cidade, é uma longuíssima praia. E um longuíssimo jardim. A areia é dura e cinzenta, pelo menos a larga banda que, de vez em quando, se deixa cobrir pela água da baía. Não acontece todos os dias, pois as marés normalmente são menos abrangentes. O resto, que nunca é coberto pelo mar, apresenta uma areia mais clara e solta, a de uma praia vulgar.
Uma pomba se aproximou, aos saltinhos. Percebendo a presença humana, parou e retrocedeu.
– Avô, viste o colar que ela tem?
Ele saiu de seus sonhos e olhou. O resto do gargalo de uma garrafa de plástico cobria a cabeça da pomba, abrindo para a frente. Alguém deve ter cortado o gargalo e uma parte mais larga da garrafa para algum uso. Imprevidentemente, deixou na areia em vez de atirar para o contentor do lixo. A pomba viu o pedaço de plástico e talvez no meio dele houvesse alguma semente apetitosa ou um grão de arroz. Meteu o bico para apanhar a semente e no gesto instintivo de engolir, levantou a cabeça. O gargalo escorregou-lhe pelo pescoço e ficou preso nas penas.
Uma perfeita armadilha. Por mais que ela sacudisse a cabeça, aquilo não saía. O mais-velho adivinhou o drama. E explicou para a neta:
– Vês, assim como ela está, não pode comer nem beber. O gargalo impede de chegar a qualquer coisa, o bico é muito curto.
– Percebo. Coitada.
Lwini levantou da areia, determinada.
– Vamos apanhá-la, avô. E tiramos aquilo. Senão ela morre.
Mas a pomba não os deixava aproximar. Fugia e era rápida demais para eles. Aos saltinhos e com pequenos voos desorientados. O plástico, como uma pala côncava, impedia um voo sustentado. Apenas o suficiente para deles se distanciar.
– Pára! Pára, já te disse. Não vês que te queremos ajudar?
A pomba não ia nas conversas de Lwini. Se afastava.
Lwini começou a chorar.
– Vai morrer, avô. Porque é estúpida.
– Os bichos têm medo das pessoas – disse o avô. – E normalmente com razão. Não é este o caso, mas o instinto leva-a a fugir.
Os dois estavam na tristeza da impotência, quando a cena maravilhosa aconteceu mesmo à sua frente. Veio outra pomba e com o bico arrancou o gargalo de plástico da semelhante. O pedaço perigoso saiu e a pomba se sacudiu, livre. Voou, ganhando rapidamente altura, com sofreguidão de espaço. A salvadora a seu lado.
Lwini bateu palmas. As lágrimas se misturavam a um grande sorriso.
– É bom ter amigos – disse ela, por fim.
Voltaram contentes para o sítio onde estavam antes. As pombas tinham desaparecido entre os prédios da avenida marginal de Santos.
Pepetela
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