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Folheando com... Patrícia Reis


Patrícia Reis

2008-10-10

Numa fase de categórica afirmação enquanto escritora, No Silêncio de Deus serviu de tema à entrevista que se segue.

Patrícia Reis nasceu em 1970, começou a sua carreira jornalística em 1988 no semanário O Independente, passou pela revista Sábado, realizou um estágio na revista norte-americana Time, em Nova Iorque, esteve no Expresso e nos projectos pessoais do Público. Tem, há já dez anos, o atelier de design e conteúdos 004, no âmbito do qual edita a revista Egoísta. Numa fase de categórica afirmação enquanto escritora, No Silêncio de Deus serviu de tema à entrevista que se segue.

Na primeira página, logo a seguir à dedicatória, a Patrícia Reis escreveu: A pequenez do mundo. Quer explicar-nos por que razão escolheu esta expressão?

A expressão prende-se com a percepção de que estamos todos ligados. O mundo não é grande, não por causa das tecnologias, mas antes pela proximidade de sentimentos e interrogações comuns. É uma piroseira dizer que o amor nos une, mas é mesmo isso. No livro, a pequenez do mundo, ilustra a vivência de duas pessoas que se cruzam por imperativos profissionais. São diferentes, têm percursos distintos e apropriados à geração que cada um representa, porém padecem da mesma sensação de desajustamento, ambos procuram algo. No caso do personagem principal, o escritor Manuel Guerra, a procura tem um fim e há um propósito. No caso de Sara, a jornalista, não chegamos a saber. O segundo capítulo chama-se Dentro da barriga da baleia. É uma alusão a Jonas e a baleia, claro, mas também uma metáfora do que sucede a Sara em Israel. O terceiro e último capítulo, chama-se A febre das flores. As flores sobem de temperatura antes de florirem. Manuel Guerra compara este fenómeno com o que sucede às prostitutas com as quais convive quando se muda para Amesterdão.

As personagens deste livro passam por três cidades: Lisboa, Amesterdão e Jerusalém. A sua visita às duas últimas cidades teve a ver com a obra que estava a escrever ou foi a visita que a inspirou?


Fui a Israel e a Amesterdão para fazer pesquisa para este livro. Sabia ao que ia: à pesca de ideias, sinais e espaços para compor os cenários e as emoções dos personagens. Lisboa é a minha cidade, é um palco de ficções que conheço bem, mas não queria cingir-me a esse conhecimento. Para contar a história de Sara, a viagem a Israel foi fundamental. É um país extraordinário. Em Jerusalém, local fundador das religiões monoteístas, há um impacto que não nos deixa indiferentes. Em Amesterdão, guiada talvez pelo fantasma de Chet Baker, acabei por conhecer o bairro das prostitutas, um local mítico na cidade, o Red Light District, de uma forma eficaz para o livro. Manuel Guerra deixa Lisboa e instala-se aí. Surge então a Martina, a prostituta.


Até que ponto esta sua obra se articula com os livros que já escreveu? Há algum fio condutor em relação aos anteriores ou são contextos e histórias absolutamente independentes?


À partida não há nada que prenda este livros aos anteriores, porém reconheço que há interrogações que são similares. Os livros servem-me, sobretudo, para questionar sentidos de vida. É uma constante. Escrevo sobre pessoas.



«Não há paz em lado nenhum, Sara. Paz é uma meta interior, individual. É um objectivo demasiado ambicioso para um país. Mas há actos que simbolizam a procura pela paz.» Acha que o homem, tal como dizia Vergílio Ferreira, não deseja a paz? Até que ponto este livro responde a esta questão?

Habitualmente falamos de paz em posição à guerra. Ninguém sabe definir paz com exactidão. Paz interior? Paz para a humanidade? Fim dos conflitos bélicos? Dos opostos religiosos? Do racismo? O que nos opõe, uns aos outros, é também a nossa marca distintiva, é o que nos torna humanos. Não há respostas neste livro, há uma ideia melhor no fim: o personagem principal consegue atingir uma certa redenção e isso passa pela recuperação da importância do outro. Acredito que o mais importante da vida são as pessoas, todas as pessoas à nossa volta. É com elas que temos de construir uma paz, uma paz à nossa dimensão.


No seu livro, o leitor encontrará um escritor, uma jornalista, uma prostituta, uma barman, um médico homeopata. Quer explicar-nos como é que foi construindo estas personagens? Como é que o seu público está a reagir a estas figuras?

Os diferentes personagens vão surgindo a pedido da história. Não há, no meu processo de escrita, um trabalho prévio de construção narrativa, de visualização de personagens. Tudo começou com o escritor: foi como se tivesse engravidado do personagem e vivi com ele durante muito tempo, mais de um ano. Gira tudo à volta de Manuel Guerra. É ele que comanda as diferentes histórias, apesar da Sara ter, no primeiro capítulo, um papel preponderante: a pretexto das perguntas de Sara, Manuel Guerra começa a desfiar a história dele. Ao mesmo tempo, sabemos algumas coisas essenciais sobre a Sara. Mas a história dela fica em aberto. É uma das coisas que gosto. Algumas pessoas escreveram-me a elogiar os diálogos. Outros consideram que a não existência de uma relação amorosa é inesperada. Há ainda quem imagine que Sara regressa a Lisboa para encontrar o filho do Manuel Guerra, o Rodrigo. Tem uma certa graça ver como os leitores comuns, leitores que não fazem parte do meu círculo de amigos e familiares, pegam na história e a continuam. Há muitas coisas em aberto do livro, pistas que não segui deliberadamente. Os leitores ficam a imaginar. Para mim é um elogio.

Pode dizer-nos, Patrícia Reis, quais são as suas referências literárias?

As minhas referências são inúmeras: dos livros de criança (que adoro ainda hoje e tenho muita dificuldade em não comprar compulsivamente) aos clássicos. Não vou enumerar autores porque não acredito em listas e tops de preferência. Posso dizer que há autores portugueses que sigo com devoção e autores estrangeiros que me surpreendem e que acarinho. A literatura é uma experiência única, pessoal. Cada um de nós é, ao longo da vida, diferentes leitores e, se hoje leio um romance, amanhã leio um policial, um ensaio, um livro de poesia. Ler é imperativo. Sem preconceitos. O resto, os rótulos, as ideias feitas, as categorias de autores, as tais gavetas onde tão facilmente se colocam autores e livros, são balelas. Ler é viajar sem sair do mesmo sítio. Daqui até onde a imaginação do autor nos levar. Essa é a grande magia.


Já tem ideias para o próximo livro? Quer revelá-las aos visitantes do Portal?

Comecei um novo livro em Janeiro deste ano. Fui escrevendo até Junho. Depois parei. Ainda não é altura, quando for o livro chama-me de volta à escrita. Ou não. Sem desvendar nada da história, ainda é muito cedo, posso dizer que é, outra vez, sobre pessoas. A minha escrita será sempre sobre pessoas. Uma vez disseram-me que os meus livros não têm histórias, só têm personagens. Não era um elogio, mas foi assim que o recebi. Quando me perguntam qual é a história, quando me pedem um resumo, fico com uma mão cheia de banalidades. Espero que os leitores tenham a generosidade de me ler e de encontrarem algo, sempre diferente, único e pessoal, que os abale, no melhor sentido. Eu escrevo para que as minhas personagens tenham impacto, sejam verosímeis, façam pensar, para que comovam e mexam com os leitores, os obriguem a reflectir. Só assim faz sentido.

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