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Poema e Poesia de Manuel Maria Barbosa du Bocage

Amor
Manuel Maria Barbosa du Bocage

Epístola a Marília

Pavorosa ilusão de Eternidade, 
Terror dos vivos, cárcere dos mortos; 
Dalmas vãs sonho vão, chamado inferno; 
Sistema de política opressora, 
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos 
Forjou para a boçal credulidade; 
Dogma funesto, que o remorso arraigas 
Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas: 
Dogma funesto, detestável crença, 
Que envenena delícias inocentes! 
Tais como aquelas que o céu fingem: 
Fúrias, Cerastes, Dragos, Centimanos, 
Perpétua escuridão, perpétua chama, 
Incompatíveis produções do engano, 
Do sempiterno horror horrível quadro, 
(Só terrível aos olhos da ignorância) 
Não, não me assombram tuas negras cores, 
Dos homens o pincel, e a mão conheço: 
Trema de ouvir sacrílego ameaço 
Quem dum Deus quando quer faz um tirano: 
Trema a superstição; lágrimas, preces, 
Votos, suspiros arquejando espalhe, 
Coza as faces coa terra, os peitos fira, 
Vergonhosa piedade, inútil vênia 
Espere às plantas de impostor sagrado, 
Que ora os infernos abre, ora os ferrolha: 
Que às leis, que às propensões da natureza 
Eternas, imutáveis, necessária, 
Chama espantosos, voluntários crimes; 
Que as vidas paixões que em si fomenta, 
Aborrece no mais, nos mais fulmina: 
Que molesto jejum roaz cilico 
Com despótica voz à carne arbitra, 
E, nos ares lançando a fútil bênção, 
Vai do grã tribunal desenfadar-se 
Em sórdido prazer, venais delícias, 
Escândalo de Amor, que dá, não vende. 

II 

Oh Deus, não opressor, não vingativo, 
Não vibrando com a destra o raio ardente 
Contra o suave instinto que nos deste; 
Não carrancudo, ríspido, arrojando 
Sobre os mortais a rígida sentença, 
A punição cruel, que execede o crime, 
Até na opinião do cego escravo, 
Que te adora, te incensa, e crê que és duro! 
Monstros de vis paixões, danados peitos 
Regidos pelo sôfrego interesse 
(Alto, impassivo númen!) te atribuem 
A cólera, a vingança, os vícios todos 
Negros enxames, que lhes fervem nalma! 
Quer sanhudo, ministro dos altares 
Dourar o horror das bárbaras cruezas, 
Cobrir com véu compacto, e venerando 
A atroz satisfação de antigos ódios, 
Que a mira põem no estrago da inocência, 
(. . .) 
Ei-lo, cheio de um Deus, tão mau como ele, 
Ei-lo citando os hórridos exemplos 
Em que aterrada observe a fantasia 
Um Deus algoz, a vítima o seu povo: 
( . . .) 
Ah! Bárbaro impostor, monstro sedento 
De crimes, de ais, de lágrimas, de estragos, 
Serena o frenesi, reprime as garras, 
E a torrente de horrores, que derramas, 
Para fundar o império dos tiranos, 
Para deixar-lhe o feio, o duro exemplo 
De oprimir seus iguais com férreo jugo. 
Não profanes, sacrílego, não manches 
Da eterna divindade o nome augusto! 
Esse, de quem te ostentas tão válido, 
É Deus de teu furor, Deus do teu gênio, 
Deus criado por ti, Deus necessário 
Aos tiranos da terra, aos que te imitam, 
E àqueles, que não crêem que Deus existe. 
(. . .) 

em "Citações e Pensamentos de Bocage"

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