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Poema e Poesia de Gil Vicente

Amor
Gil Vicente

Amor o Quis assim

Agravos de Colopêndio

Pois Amor o quis assi,

que meu mal tanto me dura,

não tardes triste ventura,

que a dor não se doi de mi,

e sem ti não tenho cura.

 

Foges-me, sabendo certo

que passo perigo marinho,

e sem ti vou tão deserto

que, quando cuido que acerto,

vou mais fora de caminho.

Porque tais carreiras sigo,

e com tal dita nasci

nesta vida, em que não vivo,

que eu cuido que estou comigo,

e ando fora de mi.

 

Quando falo, estou calado;

quando estou, entonces ando;

quando ando, estou quedado;

quando durmo, estou acordado;

quando acordo, estou sonhando;

quando chamo, então respondo;

quando choro, entonces rio;

quando me queimo, hei frio;

quando me mostro, me escondo;

quando espero, desconfio.

 

Não sei se sei o que digo,

que cousa certa não acerto;

se fujo de meu perigo,

cada vez estou mais perto

de ter mor guerra comigo.

Prometem-me uns vãos cuidados

mil mundos favorecidos,

com que serão descansados;

e eu acho-os todos mudados

em outros mundos perdidos.

 

Já não ouso de cuidar,

nem posso estar sem cuidado;

mato-me por me matar,

 

onde estou não posso estar

sem estar desesperado.

Parece-me quanto vejo

Tudo triste com rezão:

cousas que não vem nem vão

essas são as que desejo,

e todas pena me dão.

 

Eu remédio não no espero,

porque aquela, em que me fundo,

pera mi, que tanto a quero,

tem o coração de Nero

pera me tirar do mundo.

 

Gil Vicente, in 'Antologia Poética'

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