Padre António Vieira
Biografia
O Padre António Vieira (1608-1697) foi missionário, pregador, diplomata, político e escritor. Nasceu em Lisboa e aos sete anos partiu com a família para a Baía, no Brasil, onde o pai exercia a função de secretário da Governação. Estudou no colégio jesuíta da Baía e ingressou na Companhia de Jesus, recebendo ordens em 1635 e iniciando nessa altura o seu trabalho como pregador. Em 1641 partiu para Lisboa com o governador para apresentar ao rei D. João IV a adesão à causa da Restauração. O rei encarregou-o de várias missões diplomáticas na Holanda e em Roma. Não sendo bem sucedido nestes encargos, regressou novamente ao Brasil e dedicou-se à missionação dos índios. Após a morte de D. João IV, a Inquisição acusou-o de professar opiniões heréticas (1662-1667), mas foi absolvido com a subida ao trono de D. Pedro II. Depois de novo e intenso período de trabalho como diplomata em Roma e como pregador, regressou definitivamente à Baía onde morreu com quase 90 anos de idade.
Livros escritos por Padre António Vieira
Textos do Autor
Diversos
Sermão aos Peixes
Extracto
SERMÃO DE SANTO ANTONIO (1654) (SECÇÃO) - Pe. ANTONIO VIEIRA
I[editar]
Vos estis sal terrae. S. Mateus, V, l3.
Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os prègadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quere que façam na terra, o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tam corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os prègadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os prègadores dizem uma coisa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que êles fazem, que fazer o que dizem; ou é porque o sal não salga, e os prègadores se pregam a si, e não a Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.
Suposto, pois, que, ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer a êste sal, e que se há-de fazer a esta terra? O que se há-de fazer ao sal, que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras, et conculcetur ab hominibus[1]. Se o sal perder a substância e a virtude, e o prègador faltar à doutrina, e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos. Quem se atrevera a dizer tal coisa, se o mesmo Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência, e de ser posto sôbre a cabeça, que o prègador, que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o desprêzo, e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra, ou com a vida prega o contrário.
Isto é o que se deve fazer ao sal, que não salga. E à terra que se não deixa salgar, que se lhe há-de fazer? Êste ponto não resolveu Cristo Senhor nosso no Evangelho; mas temos sobre êle a resolução do nosso grande português Santo António, que hoje celebramos, e a mais galharda e gloriosa resolução que nenhum santo tomou. Prègava Santo António em Itália na cidade de Arimino, contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o Santo, mas chegou o povo a se levantar contra êle, e faltou pouco, para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés, a que se não pegou nada da terra, não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência, ou a covardia humana; mas o zêlo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fêz? Mudou sòmente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, e vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: "Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes". Oh! maravilhas do Altíssimo! Oh! poderes do que criou o mar, e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António prègava, e êles ouviam.
Fonte: Wikipédia
O Amor Fino
O amor fino não busca causa nem fruto. Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: e amor fino não há-de ter porquê nem para quê. Se amo, porque me amam, é obrigação, faço o que devo: se amo, para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de amar o amor para serfino? Amo, quia amo; amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam é agradecido. quem ama, para que o amem, é interesseiro: quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, só esse é fino.
Fonte: Sermões