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Poema e Poesia de Manuel Maria Barbosa du Bocage

Sátira ao Padre José Agostinho de Macedo 

Tu nihil invita dices, faciesve Minerva. 
Horácio, Arte Poética, V, 385 

Invidia rumpantur ut ilia Codro. 
Virgílio, Écloga VII 

(. . .) 

Refalsado animal, das trevas sócio, 
Depõe, não vistas de cordeiro a pele. 
Da razão, da moral o tom que arrogas, 
Jamais purificou teus lábios torpes, 
Torpes do lodaçal, donde zunindo 
(Nuvens de insetos vis) te sobem trovas 
À mente erma de idéias, nua de arte. 

(. . .) 

Sanguessuga de pútridos autores, 
Que vais com cobre vil remir das tendas, 
Enquanto palavroso impõe aos néscios 
E a crédulo tropel, roncando, afirmas 
Que resolveste o que roçaste apenas 
(Falo das Artes, das Ciências falo); 
Enquanto a estátua da Ignorância elevas, 
Os dias eu consumo, eu velo as noites 
Nos desornados, indigentes lares; 
Submisso aos fados meus ali componho 
À pesada existência honesto arrimo, 
Coa mão, que Febo estende aos seus, a 
poucos. 
Ali deveres, que não tens, nem prezas, 
Com fraternal piedade acato, exerço; 
Cultivo afetos à tua alma estranhos, 
Dando à virtude quanto dás ao vício. 
Não me envilece ali de um frade o soldo, 
Ali me esforça ao gênio as ígneas asas 
Coração benfazejo, e tanto e tanto 
Que a ti, seu depressor, protege, acolhe; 
Que em redondo caráter te propaga 
A rapsódia servil, poema intruso, 
Pilhagem que fizeste em mil volumes, 
Atulhado armazém de alheios fardos, 
Onde a Monotonia os mexe, os volve, 
E onde teimosa Apóstrofe se esfalfa, 
Já coos Céus intendendo e já coa Terra. 

(. . .) 

Prossegue em detrair-me, em praguejar-me, 
Porque Délio dos prólogos te exclui: 
Pregoa, espalha em sátiras, em lojas 
Que Zoilos não mereço, e sê meu Zoilo: 
Chama-me de Tisífone enteado, 
Porque em fêmeo-belmírico falsete 
Não pinto os zelos, não descrevo a morte; 
Erra versos, e versos sentencia; 
Condena-me a cantar de Ulina e danos. 
Agrega o magro Elmano ao fulho Esbarra; 
Ignora o baquear, que é verbo antigo, 
Dos Sousas, dos Arrais somente usado; 
Metonímias, sinédoques dispensa; 
Dá-me as pueris antíteses, que odeio; 
De estafador de anáforas me encoima; 
Faze (entre insânias) um prodígio, faze 
Qual anda o caranguejo andar meus versos; 
Supõe-me entre barris, entre marujos 
(De alguns talvez teu sangue as veias honre): 
Mas não desmaies na sua carreira; avante, 
Eia, ardor, coração . . . vaidade, ao menos! 
As oitavas ao Gama esconde embora, 
Nisso não perdes tu nem perde o mundo; 
Mas venha o mais: epístolas, sonetos, 
Odes, canções, metamorfoses, tudo . . . 
Na frente põe teu nome, e estou vingado. 

em "Bocage, a vida apaixonada de um genial libertino"

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