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Poema e Poesia de Álvaro de Campos

Nas praças vindouras — talvez as mesmas que as nossas — 
Que elixires serão apregoados? 
Com rótulos diferentes, os mesmos do Egito dos Faraós; 
Com outros processos de os fazer comprar, os que já são nossos. 

E as metafísicas perdidas nos cantos dos cafés de toda a parte, 
As filosofias solitárias de tanta trapeira de falhado, 
As idéias casuais de tanto casual, as intuições de tanto ninguém — 
Um dia talvez, em fluido abstrato, e substância implausível, 
Formem um Deus, e ocupem o mundo. 
Mas a mim, hoje, a mim 
Não há sossego de pensar nas propriedades das coisas, 
Nos destinos que não desvendo, 
Na minha própria metafisica, que tenho porque penso e sinto. 

Não há sossego, 
E os grandes montes ao sol têm-no tão nitidamente! 

Têm-no? Os montes ao sol não têm coisa nenhuma do espírito. 
Não seriam montes, não estariam ao sol, se o tivessem. 

O cansaço de pensar, indo até ao fundo de existir, 
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo. 

E por que é que há propósitos mortos e sonhos sem razão? 
Nos dias de chuva lenta, contínua, monótona, uma, 
Custa-me levantar-me da cadeira onde não dei por me ter sentado, 
E o universo é absolutamente oco em torno de mim. 

O tédio que chega a constituir nossos ossos encharcou-me o ser,
E a memória de qualquer coisa de que me não lembro esfria-me a alma. 
Sem dúvida que as ilhas dos mares do sul têm possibilidades para o sonho, 
E que os areais dos desertos todos compensam um pouco a imaginação; 
Mas no meu coração sem mares nem desertos nem ilhas sinto eu, 
Na minha alma vazia estou, 
E narro-me prolixamente sem sentido, como se um parvo estivesse com febre. 
Fúria fria do destino, 
Interseção de tudo, 
Confusão das coisas com as suas causas e os seus efeitos, 
Conseqüência de ter corpo e alma, 
E o som da chuva chega até eu ser, e é escuro. 

em "Poemas" 

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