
Sinopse
Se o desígnio do romance contemporâneo é o da libertação das palavras, fiéis a uma história, para se reconstruírem sob o manto da sua intemporalidade e na estrutura que possa realçar a sua dimensão de entes indomáveis e susceptíveis de se recombinarem nos limites abertos da imaginação, ele terá porventura presidido na urdidura daquele em cuja presença se coloca o leitor. Referimo-nos obviamente ao caso particular de “Cátedra de Mármore”.
A figura omnipresente do professor Floriano Neves, cujo próprio nome remete para a personalidade ambivalente que oscila entre o despontar insistente das suas memórias de infância e a figura grotesca que o tempo delapidou acrescentando-lhe a beleza de uma natureza dormente, carrega consigo a singularidade do olhar inocente e sábio, desperta as emoções que não domina num universo em que se compete, se venera e se ama, escondendo a propensão monástica para o refúgio nos recônditos paraísos das montanhas e dedicando as suas aulas ao sabor das exortações que lhe são lançadas, frutos de acasos, de desencontros e da sua inventiva. O professor tropeça nos meandros da escola, nas figuras femininas que não procura e nas obsessões de uma infância que insiste em acompanhá-lo como tropeça na penedia selvagem de que se elevam os uivos nocturnos e sobre que irradia a luz nos momentos felizes do seu recolhimento. A sua rudeza opõe-se à delicadeza, a rotina que lhe apura o calculismo dos raciocínios contrasta com a excepção da poética que o inspira, volátil como todos os momentos de plenitude. E Floriano personifica no seu destino o cativeiro que despertam todas as interrogações para que não há respostas, a decrepitude para que os saberes não ousam ter solução, a ira que despertam as afrontas em nome do conhecimento. Herói de sempre, que se submete na sua miséria à insensatez do gáudio, ao desvario de quantos lhe roubam a superioridade como pessoa para a exibirem nos excessos patéticos de um palco efémero.
No pretexto da Academia e dos seus actores o romance imiscui-se nos bastidores em que se encena a alma humana, debruça-se sobre a própria qualidade da linguagem e abre o pano de cena em que o leitor é chamado a intervir, incitado a improvisar, a deter um papel de decisor sobre que destino haverá para aquelas palavras.
“Cátedra de Mármore” não será um romance qualquer.