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Poema e Poesia de Ricardo Reis

Adoração
Ricardo Reis

A Vida Passa como se Temêssemos

Deixemos, Lídia, a ciência que não põe 
Mais flores do que Flora pelos campos, 
Nem dá de Apolo ao carro 
Outro curso que Apolo. 

Contemplação estéril e longínqua 
Das coisas próximas, deixemos que ela 
Olhe até não ver nada 
Com seus cansados olhos. 

Vê como Ceres é a mesma sempre 
E como os louros campos intumesce 
E os cala prás avenas 
Dos agrados de Pã. 

Vê como com seu jeito sempre antigo 
Aprendido no orige azul dos deuses, 
As ninfas não sossegam 
Na sua dança eterna. 

E como as heniadríades constantes 
Murmuram pelos rumos das florestas 
E atrasam o deus Pã. 
Na atenção à sua flauta. 

Não de outro modo mais divino ou menos 
Deve aprazer-nos conduzir a vida, 
Quer sob o ouro de Apolo 
Ou a prata de Diana. 

Quer troe Júpiter nos céus toldados. 
Quer apedreje com as suas ondas 
Netuno as planas praias 
E os erguidos rochedos. 

Do mesmo modo a vida é sempre a mesma. 
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos. 
Por isso as esqueçamos 
Como se não houvessem. 

Colhendo flores ou ouvindo as fontes 
A vida passa como se temêssemos. 
Não nos vale pensarmos 
No futuro sabido 

Que aos nossos olhos tirará Apolo 
E nos porá longe de Ceres e onde 
Nenhum Pã cace à flauta 
Nenhuma branca ninfa. 

Só as horas serenas reservando 
Por nossas, companheiros na malícia 
De ir imitando os deuses 
Até sentir-lhe a calma. 

Venha depois com as suas cãs caídas 
A velhice, que os deuses concederam 
Que esta hora por ser sua 
Não sofra de Saturno 

Mas seja o templo onde sejamos deuses 
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios 
Nem precisam de crentes 
Os que de si o foram. 

em "Odes" 

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