loading gif
Loading...

Poema e Poesia de Carlos Drummond de Andrade

Mulher
Carlos Drummond de Andrade

Em Louvor da Miniblusa

Hoje vai a antiga musa 
celebrar a nova blusa 
que de Norte a Sul se usa 
como graça de verão. 
Graça que mostra o que esconde 
a blusa comum, mas onde 
um velho da era do bonde 
encontrará mais mensagem 
do que na bossa estival 
da rola que ao natural 
mostra seu colo fatal, 
ou quase, pois tanto faz, 
se a anatomia me ensina 
a tocar a concertina 
em busca ao mapa da mina 
que ora muda de lugar? 
Já nem sei mais o que digo 
ao divisar certo umbigo: 
penso em flor, cereja, figo, 
penso em deixar de pensar, 
e em louvar o costureiro 
ou costureira — joalheiro 
que expõe a qualquer soleiro 
esse profundo diamante 
exclusivo antes das praias 
(Copas, Leblons, Marambaias 
e suas areias gaias). 
Salve, moda, salve, sol 
de sal, de alegre inventiva, 
que traz à matéria viva 
a prova figurativa! 
Pode a indústria de fiação 
carpir-se do pouco pano 
que o figurino magano 
reduz a zero, cada ano. 
Que importa? A melhor fazenda 
o mais cetínio tecido, 
que me bota comovido 
e bole em cada sentido, 
ainda é a doce pele, 
de original padronagem, 
pois adere a cada imagem 
qual sua própria tatuagem 
que ninguém copiará. 
Miniblusa, miniblusa, 
garanto que quem te acusa 
a cuca há de ter confusa. 
És pano de boca? O palco 
tão redondo quão seleto 
que abres ao avô e ao neto 
(à vista, apenas), objeto 
é de puro encantamento. 
No cenário em suave curva 
nosso olhar jamais se turva, 
falte embora rima em urva, 
pois é pelúcia-piscina 
onde a ilha umbilical 
vale a urna de São Gral, 
o Tesouro Nacional, 
vale tudo... e lembra a drósera, 
flor carnívora exigente 
que pra devorar a gente 
não cochila certamente. 
Drósera? Drupa, talvez, 
carnoso fruto de vida, 
drusa tão bem inserida 
na superfície polida 
que a blusa desvesteveste. 
Ai, blublu de semiblusa, 
de Ipanema ou Siracusa, 
que me perco na fiúza 
de capturar o mistério 
— Quid mulieris... ? — do corpóreo. 
Mas chega de latinório, 
vaníloquo verbolório 
e versiconversa obtusa 
de tudo que a musa canta, 
pois mais alto se alevanta 
o sem-véu da miniblusa. 

em 'O Poder Ultrajovem'

Voltar

Faça o login na sua conta do Portal