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Poema e Poesia de Guerra Junqueiro



E é triste ver assim ir desfolhando, 
Vê-las levadas na amplidão do ar, 
As ilusões que andámos levantando 
Sobre o peito das mães, o eterno altar. 

Nem sabe a gente já como, nem quando, 
Há-de a nossa alma um dia descansar! 
Que as almas vão perdidas, vão boiando 
Nesta corrente eléctrica do mar!... 

Ó ciência, minha amante, ó sonho belo! 
És fria como a folha dum cutelo... 
Nunca o teu lábio conheceu piedade! 

Mas caia embora o velho paraíso, 
Caia a fé, caia Deus! sendo preciso, 
Em nome do Direito e da Verdade. 

II 

Morreu-me a luz da crença — alva cecém, 
Pálida virgem de luzentas tranças 
Dorme agora na campa das crianças, 
Onde eu quisera repousar também. 

A graça, as ilusões, o amor, a unção, 
Doiradas catedrais do meu passado, 
Tudo caiu desfeito, escalavrado 
Nos tremendos combates da razão.    

Perdida a fé, esse imortal abrigo, 
Fiquei sozinho como herói antigo 
Batalhando sem elmo e sem escudo. 

A implacável, a rígida ciência 
Deixou-me unicamente a Providência, 
Mas, deixando-me Deus, deixou-me tudo. 

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'

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