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Poema e Poesia de António Nobre

Mundo
António Nobre

Os Figos Pretos

- Verdes figueiras soluçantes nos caminhos! 
Vós sois odiadas desde os seculos avós: 
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos, 
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós! 

    - Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras 
       Deixae-o fallar! 
    Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras, 
       Que bom que é amar! 

- O mundo odeia-vos. Ninguem nos quer, vos ama: 
Os paes transmittem pelo sangue esse odio aos moços. 
No sitio onde medraes, ha quazi sempre lama 
E debruçaes-vos sobre abysmos, sobre poços. 

    - Quando eu for defunta para os esqueletos, 
       Ponde uma ao meu lado: 
    Tristinha, chorando, darà figos pretos... 
       De luto pezado! 

- Os aldeões para evitar vosso perfume 
Sua respiração suspendem, ao passar... 
Com vossa lenha não se accende, á noite, o lume, 
Os carpinteiros não vos querem aplainar. 

    - Oh cheiro de figos, melhor que o do incenso 
       Que incensa o Senhor! 
    Podesse eu, quem dera! deital-o no lenço 
       Para o meu amor... 

- As outras arvores não são vossas amigas... 
Mãos espalmadas, estendidas, supplicantes, 
Com essas folhas, sois como velhas mendigas 
N'uma estrada, pedindo esmola aos caminhantes! 

    - Mendigas de estrada! mendigas de estrada! 
       E cheias de figos! 
    Os ricos là passam e não vos dao nada, 
       Vos daes aos mendigos... 

- Ai de ti! ai de ti! ó figueiral gemente! 
O goivo é mais feliz, todo amarello, lá. 
Ninguem te quer: tua madeira é unicamente 
Utilizada para as forcas, onde as ha... 

    - Que màs creaturas! que injustas sois todas 
       Que injustas que sois! 
    Serà de figueira meu leito da bodas... 
       E os berços, depois 

- Tragicas, nuas, esqueleticas, sem pelle, 
Por traz de vós, a lua é bem uma caveira!... 
Ó figos pretos, sois as lagrymas d'aquelle 
Que, em certo dia, se enforcou n'uma figueira! 

    - Tambem era negro, de negro cegava 
       O pranto, o rosario, 
    Que, em certa tardinha, desfiava, desfiava, 
       Alguem, no Calvario... 

- E, assim, ao ver no outomno uma figueira nua, 
Se os figos caem de maduros, pelo chão: 
Cuido que é a ossada do Traidor, á luz da lua, 
A chorar, a chorar sua alta traição! 

    - Ó minhas figueiras! ó minhas figueiras 
       Deixae-o fallar! 
    Oh! vinde de hi ver-nos, a arder nas fogueiras 
       Cantar e bailar... 

António Nobre, in 'Só'

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