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Poema e Poesia de António Nobre

Cidade
António Nobre

Para As Raparigas de Coimbra



Ó choupo magro e velhinho, 
Corcundinha, todo aos nós: 
És tal qual meu avôzinho, 
Falta-te apenas a voz. 



Minha capa vos acoite 
Que é p'ra vos agazalhar: 
Se por fóra é cor da noite, 
Por dentro é cor do luar... 



Ó sinos de Santa Clara
Por quem dobraes, quem morreu? 
Ah, foi-se a mais linda cara 
Que houve debaixo do céu! 



A sereia é muito arisca, 
Pescador, que estás ao sol: 
Não cae, tolinho, a essa isca... 
Só pondo uma flor no anzol! 



A lua é a hostia branquinha, 
Onde está Nosso Senhor: 
É d'uma certa farinha 
Que não apanha bolor! 



Vou a encher a bilha e trago-a 
Vazia como a levei! 
Mondego, qu'é da tua agoa? 
Qu'é dos prantos que eu chorei? 



cabra da velha Torre, 
Meu amor, chama por mim: 
Quando um estudante morre, 
Os sinos chamam, assim. 



- E só porque o mundo zomba 
Que poes luto? Importa lá! 
Antes te vistas de pomba... 
- Pombas pretas tambem ha! 



Therezinhas! Ursulinas! 
Tardes de novena, adeus! 
Os corações ás batinas 
Que diriam? sabe-o Deus... 

10 

Teu coração é uma igreja: 
N'uma eça dorme, alli, 
Manoel, bemdito seja, 
Que morreu d'amor por ti. 

11 

Manoel no Pio repoiza: 
Todos os dias, lá vou 
Ver se quer alguma coiza, 
Perguntar como passou. 

12 

Agora, são tudo amores 
A roda de mim, no Caes
E, mal se apanham doutores, 
Partem e não voltam mais... 

13 

Aos olhos da minha fronte 
Vinde os cantaros encher: 
Não ha, assim, segunda fonte 
Com duas bicas a correr! 

14 

Nossa Senhora faz meia 
Com linha feita de luz: 
O novello é a lua-cheia, 
As meias são p'ra Jezus. 

15 

Meu violão é um cortiço, 
Tem por abelhas os sons 
Que fabricam, valha-me isso, 
Fadinhos de mel, tão bons... 

16 

Ó fogueiras, ó cantigas, 
Saudades! recordações! 
Bailae, bailae, raparigas! 
Batei, batei, corações! 

António Nobre, in 'Só'

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